Original de Ricardo González Dávila: Un día me fui a entrenar a Corea del Norte, de 2016.
Traduzido por Rozena.
Meu nome é Ricardo González Dávila. Sou o treinador de basquete e acabo de desembarcar na Coreia do Norte, o dito país mais isolado e desconhecido do mundo. Eu fui o primeiro espanhol a trabalhar com as autoridades esportivas daquele país. Ali, exerci minha profissão durante um mês como treinador masculino e feminino. Essa é a minha experiência.
Sinto que sou muito sortudo por ter vivido isso. A Coreia do Norte é um país extraordinário, seu povo é maravilhoso e feliz. Sinto que sou privilegiado por poder trabalhar em um lugar em que quase ninguém tem acesso. São pessoas muito inteligentes e que não tomam nenhuma decisão sem analisá-la e estarem convencidos de que será um acerto.
O pior, sem dúvida, foi estar longe de minha mulher, Lidia (Mirchandani, ex-jogadora internacional da Espanha), e de María, minha filha com 1 ano e 5 meses de idade. Parece uma eternidade cada dia que passo sem ela. Pergunto-me se vale a pena o sacrifício e se compensa. Meu grande amigo Javi Juárez (treinador de categorias de base em Madri) sempre me diz que eu faço por elas e que quando minha filha for mais velha ela terá muito orgulho de mim.
Na Coreia do Norte não existem redes sociais. Na China também não, então, desde que cheguei em Pequim, tive que esquecer de Facebook, Twitter e Instagram. Também não há muito acesso à web. Meu contato com o exterior era por telefone, usando um chip com número norte-coreano comprado ali, ligando pelo hotel ou também por email.
Diziam que eu estava louco
Alguns me diziam que eu estava louco de ir para a Coreia do N. Estavam alojados no mesmo hotel que eu e sempre preocupados se eu estava bem. Preocuparam-se com tudo: comidas, transporte, turismo… vidas. E foi assim que, em 16 de novembro, fui a Pequim e depois para Pyongyang.
Naquele dia, meu avião foi o único que aterrissou no aeroporto. E no dia em que parti, era o único que partia. O aeroporto é muito moderno mas menor do que tenderia se fosse de outra cidade com esse número de habitantes, porém com o tráfico aéreo que tem, não precisam de mais.
Desde a minha chegada tive um chofer, uma tradutora e um guia. Estavam alojados no mesmo hotel que eu e sempre preocupados se eu estava bem. Preocuparam-se com tudo: comidas, transporte, turismo… Se quisesse dar um passeio sozinho, caminhar até o pavilhão ou sair pra correr, eu poderia fazer isso sem eles.
Com a guia eu falava apenas em inglês e, com a tradutora, inglês e espanhol. Com os jogadores e as demais pessoas, tudo era através da tradutora. Pouquíssimos falavam inglês, embora as autoridades esportivas soubessem.
Não vi pessoas do ocidente. Não conheci nenhuma em todo o mês. O turismo deles vem quase todo da China.
Profissionalmente, a verdade é que nunca tive melhores condições para desenvolver meu trabalho. Eu tinha tudo. Era o sonho de qualquer treinador: um pavilhão de primeira categoria, muitos jogadores, todas as horas de treinamento que queria, material, audiovisual, assistentes… Tudo! Eu podia pedir o que fosse, no dia seguinte, no treinamento, eu teria.
Nunca tinha sentido, como treinador, um respeito tão grande pela parte dos atletas e tanta predisposição para treinar, aprender e melhorar. Treinamos em um mês as mesmas horas que se pode treinar uma equipe profissional na Europa em três meses, por suas partidas e viagens.
O biotipo do norte-coreano é muito bom para o esporte. Há bons jogadores e jogadoras. Seria difícil que algum deles jogasse na ACB (NT: Liga Espanhola de Basquetebol), talvez se adaptassem melhor à LEB (NT: Liga Espanhola de Basquetebol Amador).
Há jogadoras de basquete que poderiam entrar na Liga Feminina, incluindo uma atleta de 1,97m. Não é permitido competições fora do país, mas se eles acreditam que é necessário levar seus atletas a jogar nas melhores Ligas do mundo, eles o farão. Custeado e controlado por eles mesmos.
Os jogadores de basquete são bons tecno e fisicamente dada a quantidade de horas que treinam, e tem o dom do lançamento. No nível dos melhores lançadores em ligas europeias. Taticamente, eles tem que crescer, já que baseiam quase todo o seu ataque em seu jogo externo. Eles possuem vontade de melhorar, aprender e ganhar. Seu conhecimento de basquete internacional, com exceção da Ásia, é quase nulo. Ali a NBA não chega, mas eles mostravam interesse em saber qual era o lugar do basquete espanhol no mundo.
E, claro, é totalmente errônea a informação de que ali há cestas de quatro pontos, enterradas valem três e coisas do tipo. É tudo boato nascidos do desconhecimento sobre o que é o esporte na Coreia do Norte.
A organização desportiva que tem lá é inigualável. Jamais vi nada parecido. Todos os funcionários do país tem que praticar um esporte além do seu trabalho. E são feitas Olimpíadas em todo o país, onde competem o Ministério de Agricultura contra o de Saúde, o de Educação… Com as crianças, igualmente: ao acabar a escola, todos devem fazer algum esporte. Não perdem tempo com aparatos tecnológicos ou com televisão.
Quase todos andam de bicicleta
Nas tardes livres que tinha na semana, eu me dedicava a jogar tênis de mesa e ao turismo. Pyongyang é uma cidade preciosa, um dos locais mais belos que já vi, com um encanto muito especial. Normalmente tem muita gente, mas as fotos não mostram pois era domingo. O que surpreende é a amplitude. Há algumas avenidas que são mais do que o dobro da Castellana. E é uma cidade que tem 100 vezes menos tráfego que Madri. Tem carros, mas quase todo mundo vai de bicicleta. É bem prático e ajuda.
Existem ciclovias do tamanho de ruas inteiras. Eles também usam muito o metrô, que é de primeira qualidade e grátis para eles, assim como o ônibus. Em Pyongyang há de tudo: centros comerciais, mercados, feiras… Não na quantidade e variedade de outras cidades, mas dá pra comprar o que é necessário. É bem mais barato para o bolso europeu. Almoçar ou jantar em um bom local sai por entre 10 à 15 dólares. Pode pagar em dólares ou euros sem problemas, mas em poucos locais aceitam pagamento em crédito. E sim, é impossível encontrar produtos ocidentais. Tudo é de fabricação própria. Não há Coca-cola, McDonalds, nem tabaco eu vi alguma marca conhecida. Só mantem relações comerciais com a China, porém tem absolutamente de tudo. Ah, sim, os jogadores usavam tênis da Nike, a maioria do mesmo modelo.
No fim, estávamos muito contentes: eles comigo e eu com eles. Já temos um acordo fechado para o ano que vem de mais três meses, quiçá mais, dependendo da minha disponibilidade profissional e das datas das competições internacionais que decidam participar. Estou confiante de que será um vínculo de vários anos. Eles querem que eu trabalhe com eles em muito mais do que treinar seus jogadores. A ideia é ir participando com os diferentes times de todas as idades, mas eles têm certeza de que irão jogar quando souberem que estão prontos para competir.
Não tive uma ocasião para conhecer o presidente Kim Jong-Un, embora eu tivesse adorado. O dirigente máximo da Federação de Basquete me disse que eram grandes amigos porque jogaram basquete muitos anos juntos. Daí seu amor pelo esporte. Espero que no próximo ano eu tenha a oportunidade de conhecê-lo.
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