Texto por: Bakkari
Arte por: Alma
Revisão por: Tiele Kawarlevski
"A Tábua De Esmeralda" de Jorge Ben Jor (1974) — Sendo até hoje um dos álbuns mais intrigantes da música brasileira, não se trata apenas de um disco sobre mistérios, alquimias e referências ao espaço.
Em meio a todos esses fatores, pode-se enxergar que o ponto central da obra se baseia em cantar sobre o amor e o amar; o amor pela vida, o amor pela negritude, o amor pelo conhecimento e pela sede de descobrir, e o amor que tu cultiva por aquela mulher que te deixa balançado rsrs…
É um dos discos que mais me levou a pesquisar, destrinchar e buscar conhecimento sobre aquilo que é dito. Consegui identificar o ponto citado acima como conexão entre as faixas; de primeira achei que fosse um projeto mais solto, mas descobri que existem mais conexões do que imaginava.
O disco é iniciado por Jorge Ben falando com sua banda, dando a crer que estão em um estúdio, uma sala ou algo do tipo. Ben pede à sua equipe de músicos que sentem-se. O recado serve para os ouvintes também, pois o que vem a partir dali é um conjunto de surrealidade e magnitude, além da temática complexa.
Assim, a introdução é preparada com "Os Alquimistas Estão Chegando Os Alquimistas”. Pra mim, é uma das faixas mais “simples” do álbum, na qual Jorge Ben nos apresenta fundamentos básicos da alquimia e repete no refrão a frase título da faixa "Os alquimistas estão chegando, estão chegando os alquimistas", dando uma sensação de animosidade com o que virá pela frente.
No decorrer da faixa, vão sendo dadas as características desse grupo e dos instrumentos usados por ele, como em:
"Eles são discretos e silenciosos
Moram bem longe dos homens
Escolhem com carinho a hora e o tempo do seu precioso trabalho
São pacientes, assíduos e perseverantes
Executam, segundo as regras herméticas
Desde a trituração, à fixação
A destilação e a coagulação"
Alquimia é uma prática que combina elementos de Química, Física, Biologia, Medicina, Semiótica, Misticismo, Espiritualismo, Arte, Antropologia, Astrologia, Filosofia, Metalurgia e Matemática. Essa prática se originou por meio de "A Tábua de Esmeralda", um texto escrito no Egito antigo por Hermes Trismegisto ou Hermes, O três vezes grande, nome que foi dado a ele em conexão a Thot, deus egípcio de grande sabedoria.
O que me chama a atenção em todo o projeto é a forma de falar do artista. Ao mesmo tempo em que tenta nos fazer entender como são e como agem os alquimistas, ele deixa um ar de mistério que não entrega completamente todas as cartadas.
Após nos alertar da chegada, Ben Jor dessa vez vai nos apresentar um dos grandes nomes da alquimia na faixa "O Homem da Gravata Florida", que seria Paracelso. Paracelso foi um médico, alquimista, físico, astrólogo e ocultista (dizia-se também que Paracelso era o possuidor da pedra filosofal, objeto tão almejado na alquimia) suíço-alemão que herdou do pai a sabedoria da Agricultura Celeste e o próprio Jorge Ben nos explica o que é isso:
"…A planta é plantada e colhida de acordo com o Sol, com a Lua e as estrelas, na época tal. Com essas plantas, Paracelso curava as pessoas. E, naquela época, imagina ele, um médico, curava tanta gente que os médicos que estudaram nas grandes faculdades ficavam com bronca."
Ben também nos fala que a tal "gravata" na verdade seria uma túnica colorida, usada por Paracelso que, assim como na música, chamava a atenção de quem passasse:
"Isso não é só uma gravata
Essa gravata é o relatório de harmonia, de coisas belas
É um jardim suspenso dependurado no pescoço
De um homem simpático e feliz"
Os versos passam a sensação de que a gravata não é apenas uma gravata, deixando, assim, muitas conclusões em aberto. Inclusive, em alguns trechos, Ben fala sobre "as flores que nascem" quando o tal "homem da gravata" passa, dando um ar mágico e místico ao objeto que, com toda certeza, nesse ponto da conversa se tornou bem maior que apenas um objeto.
No entanto, até o momento, estávamos somente presenciando a preparação pra decolagem de "Errare Humanum Est", do latim "Errar é humano". A palavra "errare" trás o sentido de "errante". Essa conotação carrega o entendimento de busca eterna pela verdade (conhecimento). No contexto do álbum, a tradução se faz por "Sonhar é humano", buscar entender o universo, a origem da vida, a suposta premissa dos deuses astronautas.
A canção é iniciada com Ben Jor mencionando o título com efeitos que nos fazem lembrar o espaço, precedendo a entrada do instrumental junto dos backing vocals. Jorge Ben começa refletindo sobre alguns questionamentos acerca dos anseios da raça humana, como explorar o espaço.
A faixa vai ganhando uma estrutura que nos leva a realmente sentir que o artista está em uma viagem espacial, cada vez que as melodias ganham tons de mais suspense junto do tom de voz do cantor.
Pude observar que dois livros foram pontos centrais pra instigar Jorge Ben na criação da música, são eles: "Sombras Sobre as Estrelas" (1971) de Peter Kolosimo, livro que fala sobre os anseios do homem em desbravar os céus e o espaço, e "Eram os Deuses astronautas?" (1968) de Erich von Däniken, em que são feitas suposições sobre os primeiros contatos de humanos com seres de outros planetas e também levantadas hipóteses de deuses dos antigos tempos não serem nada além de extraterrestres de inteligência superior, usando a gente como experimento em convívio social.
"Errare Humanum Est", durante todo o tempo, carrega um clima tenso e até meio melancólico em alguns momentos (daqueles dias que você acorda refletindo sobre ser apenas um grão de areia em meio a uma imensidão de planetas, água, terra e vácuo...), mostrando o quanto somos frágeis e o quanto as coisas que não estão sob nosso domínio podem nos colocar em estado de tensão.
No final, ouvimos Jorge Ben fazer uma contagem, que pode até ser meio óbvia, mas se trata de uma contagem para decolar. Seria esse o momento de decolarmos e mergulhar de vez no disco? É o que vemos em seguida…
Quando a aterrissagem é recebida com um:
"— pedrinho vai ser papaaaai
— quem vai ser papai?
— menina mulher da pele preta"
Busquei saber o motivo de um diálogo tão aleatório em meio ao disco e foi encontrado o motivo no seguinte tweet:
O diálogo faz parte da introdução da canção "Menina Mulher da Pele Preta", dando início a uma sequência de músicas em que fica explícito o que citei no começo do texto: que o disco se trata de amar, fato encontrado nas faixas anteriores, de várias formas. A sequência é a seguinte:
- Menina Mulher da Pele Preta
- Eu Vou Torcer
- Magnólia
- Minha Teimosia, Uma Arma pra te Conquistar
Essas faixas me chamam a atenção em conjunto por um fator muito presente em todas as músicas de amor do Ben Jor: a forma como ele trata o ser feminino como uma divindade (e tá errado?), a forma de exaltar sempre a negritude das mulheres citadas e a facilidade com que consegue passar os detalhes da amada.
Em "Menina Mulher da Pele Preta", Ben Jor se questiona sobre existir reciprocidade no desejo vindo da parte da mulher por ele, e fica bem explícito que o desejo demonstrado é extremamente carnal feat. visceral; pode-se entender o "malícia", tão repetido ao longo dos verso, como um tesão.
A faixa carrega um ritmo totalmente sedutor e swingado, enquanto é versada calmamente como uma forma de conquista, o desejo chega a ser tão explícito no fim da música, que Jorge Ben vai aumentando o tom com firulas na voz que, com certeza, se a pretinha ouviu, ficou encantada também.
E segue com a celebração à vida em "Eu Vou Torcer", uma música que transparece a energia de vencer uma copa do mundo em pleno verão na semana de carnaval, é bem assim que me sinto ouvindo essa. Vemos, também e mais uma vez, o Ben Jor romântico, torcendo "pela alegria, pelo amor e as mulheres bonitas", trecho bem repetido durante a música, que resume bastante o que é a ideia e o objetivo do artista.
Nesse momento, chega o ponto alto do projeto, pra mim. Na faixa "Magnólia", Jorge Ben continua celebrando a vida, enquanto narra a chegada de Magnólia. Nela, ao mesmo tempo em que são dadas as características da flor, também se pode entender como uma descrição da espera por sua amada:
"Já consultei os astros
Ela chega na primavera
Ela já se encontra a caminho
Voando numa nave maternal doirada
Muito veloz feita de um metal miraculoso
Com janelas de cristal
E forro de veludo rosa"
Há também uma citação de estar "todinho de branco, lindo, esperando ela chegar", o que representa a importância da chegada e de quem o artista espera. Ao longo da história, sempre vemos o quão elegantes e importantes são as vestimentas brancas para pessoas negras, dados exemplos nas religiões de matriz africana que dão muita importância a essa cor.
Na voz de Ben Jor, em vários momentos, é possível perceber o tom de empolgação e ansiedade para encontrar "Magnólia", junto de uma orquestra, em pontos bem específicos, dando uma energia angelical para a canção, que é a minha favorita do projeto.
Finalizando, o "quarteto" de músicas destacadas por mim, temos "Minha Teimosia, Uma Arma Pra Te Conquistar", faixa que traz uma declaração direta de Jorge Ben para sua amada.
Essa é uma das faixas que mais causa um sentimento nostálgico, em todo o projeto, com um Ben Jor incansável, mostrando todas suas armas de conquista. O artista parece levitar e deslizar facilmente pelos acordes impostos aqui, transparecendo uma energia de extrema autoconfiança.
Em uma "dobradinha" com "Magnólia", essa é a faixa em que vemos a caneta afiada de Jorge Ben, trazendo aquela energia que você quer sentir pela manhã, junto da pessoa amada num dia qualquer, no qual possa somente ficar ocioso e mais nada…
Confira o novo single "POSSO MUDAR(KZ VIVE)", do rapper BAKKARI:
A Faixa homenageia KZ, falecido em 2 de Setembro de 2020. Sua memória será para sempre preservada em nossos corações e nossas memórias, foi um dos grandes apoiadores do trabalho e um grande rimador, que Deus o dê a paz e o descanso.
️
E que assim como o KZ, que todas as pessoas que amamos e já não estão no mundo terreno possam ser combustível para os nossos sonhos, um dia iremos nos encontrar numa vida tranquila e um mundo sem dor ou sofrimento.
KZ VIVE! 🕊️
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