Texto por Diego Blanco
Revisão por Enzo Lang
VANDAL é muita coisa, muita mesmo. Mas se tem uma que ele é, mais do que todas, é “de verdade”, e ele sabe disso. “Vandal [é] de verdade”. Ele é toda essa muvuca — no sentido lindo que a palavra verdadeiramente tem, não no distorcido — de criatividade, sentimento, raiva, amor e talento.
Esse disco é de 2015. Eu tenho que me esforçar pra lembrar disso. “TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH” foi lançada em outubro de 2015, mas poderia ter sido lançada em qualquer um dos últimos anos. Se o “BRIME!” de Febem e Fleezus é com B de Brasil, “TIPOLAZVEGAZH” é com B de Bahia. O primeiro disco de MPB (Música Pra Bagaçar) jamais será esquecido e tampouco deve.
Antes de explicar minha visão sobre o disco, eu preciso estabelecer uma determinada linha de raciocínio; Acredito que exista um processo, consciente ou não, na forma em que consumimos música, e que acaba por dividir a “música pra pensar” das demais, assim como dividimos a água do vinho. Criando uma escada de valores e determinando a qualidade com base na profundidade — supostamente — intelectual de uma obra. A música começa a ser pensada de forma hierarquizada; existe a música que beira o divino, com letras complexas, pensamentos rebuscados e mensagens que teoricamente não podem ser ignoradas, e a música profanizada, que é “somente” — como se fosse pouco — para dançar, sentir, pular ou o que for.
Dito isso, quero deixar claro que pra dizer o que penso sobre VANDAL, me coloco contra tudo escrito neste último parágrafo. Porque pra mim, o sentir é tão — senão mais — importante quanto o pensar. E mesmo que exista tal divisão na música, é horizontal e não vertical. Quer dizer, menos pra VANDAL, pois em “TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH”, um projeto rico em tudo, ele faz os dois, mas não em uma verticalização do som ou numa escada de valores em que se é conquistado o intelecto após superar o corpo. Não. VANDAL entende que tudo anda lado a lado, e cria um conceito estético baseado na conversa entre os sentires, o protesto é refletido igualmente nos seus versos e na construção do instrumental, na inflamação de sua voz — que não poupa sentimento. — , na raiva, no refresco, na paixão, nada se limita ao texto escrito de VANDAL, e sim entrelaça-se nos múltiplos textos relacionados dele.
Já na primeira faixa se estabelece o tema central do álbum e a forma em que se põe a conversa — e também contraste — entre denúncias, protestos, preces e exaltações feitas pelo artista.
Vandal dispensa introdução
Foda-se a polícia a gente ainda é desse tempo, irmão
Foda-se o governo, irmão
Eles tão fudendo, irmão
A gente há muito tempo, irmão
Irmão, segura a minha mão
Vê que é de verdade, irmão
Vê quem tá suando, irmão
Olha nos meus olhos, irmão
Veja a minha alma, irmão
Vê que tá chorando, irmão
Vejo irmão matando irmão
Emoção de facção
Isso não tá certo, irmão
Todo mundo é alemão
Cês tão vendo bicho, irmão
Só fazendo merda, irmão
Vê se eu não tô certo, irmão
Meus irmão tão preso e os da rua não tão rico, irmão
Irmão, cê me ajuda então
Que eu também te ajudo, irmão
Nóis caminha junto, irmão
Tomando o título de “Yeezus” brasileiro, ao mesmo tempo que autêntico e autossuficiente — sem fazer questão e nem menos orbitar em torno desse título — , “TIPOLAZVEGAZH” é uma mixtape que abraça o exagero, a saturação estética como consequência de uma realidade saturada, um caos implementado que se torna palco de um MC que tem muito pra falar e tela de um artista que pinta a realidade com suas próprias lentes.
Tanto a direção estética quanto sonora do projeto, como a escrita quase visual das faixas e versos— até as roupas e a forma em que VANDAL escreve nas redes sociais— , são todas determinantes de um conceito e proposta estética retratada por ele do início ao fim do projeto. O artista traduz, utilizando desses elementos como veículos, a crueza e dinâmica de uma Salvador desconhecida por muitos, e muito conhecida por ele. VANDAL é “TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH”, e essa via é de mão-dupla.
VANDAL encontra tempo — ou abre o caminho para o seu próprio tempo — para viver o amor, as luzes de uma cidade que te morde e te abraça, e para dançar regado a cerveja e suor. Tudo isso no meio da invisível brutalidade de uma Salvador tornada visível em refrões e faixas tão dançantes quanto afiadas, como “VEMH NIH MINH” e BOOKROSAH”, que apresentam um tom de pausa melancólica e etérea, para absorver e ressignificar a carnalidade da vida. A dualidade entre dor e prazer; amor e violência, o tesão e o medo.
Aposto minha vida, rival da emoção
Drogas jamais me darão um milhão
Nunca te amo por decepção
Mil prostitutas pro meu coração
Nunca te amo, segura minha mão
Corre comigo se tiver visão
Roda a roleta prestando atenção
Olha o tambor que tá com munição
Olha essa peça, cuidado com o cão
Tão apostando o dinheiro do pão
Ele passou, tá na hora da ação
Sangue no olho não vale perdão
Com a sua camisa jogando no chão
Pra começar dá um tiro na mão
Respira fundo, sente o tesão
Me passa a peça, eu termino a missão
Além de Cidade Nova ser o bairro onde VANDAL cresceu, de forma consciente ou não, o artista propõe, ao mesmo tempo que constrói, ele mesmo uma “NOVAH SALVADORH”, que tem a sua mixtape como hino.
Eu sou safado e nem dá pra perceber
Eu tô de olho no contrato que assinei sem saber ler
Quando eu morrer vou precisar de dublê
Que o Diabo tá me esperando mermo sem eu perder
[…]
Eu sou core, hardcore que nem tuas puta já sabe
Se conforme que me rosto dispensa sua maquiagem
Desculpe meu paparazzi, mas eu amo a intimidade
Eu só quero aquela foto mal-tirada do covarde
Original Vandal, Vandal Style
Vermelho tipo Campari, amargo tipo saudade
Eu gosto como elas fazem, se ela ama, ela reage
Vive mil e uma noite preocupado com as miragem
Quando ouvi o projeto pela primeira vez eu nem sabia de fato o que era grime ou drill. Eu só sentia aquelas faixas, ouvia toda aquela overdose sonora fervendo nos meus ouvidos e sabia que tinha vindo do futuro. Essa “MIXTAPEH” é consequência de alguém que sabe muito bem onde está pisando, o que se é e o que se quer ser. VANDAL se estabelece como pensador, poeta, MC, artista e bagaçador de caixas e, além de criar, também mantém como ninguém todo um universo estético e sonoro que é difícil não querer conhecer.
Talvez eu esteja 7 anos atrasado neste texto, afinal, a mixtape é de 2015, mas inevitavelmente, que época melhor para escrever sobre um projeto que veio do futuro, senão em seu respectivo presente?
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