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É VERDADE QUE SÓ O SANTOS PAROU UMA GUERRA?
Homens e mulheres da Costa do Marfim do norte, sul, centro e oeste, hoje demonstramos que todos os marfinenses podem coexistir e jogar juntos com um objetivo comum: se classificar para a Copa do Mundo. Texto por: Bruno Menezes Arte por: Victor Aguiar No ano de 1969, a Guerra de Biafra parou para o povo nigeriano ver o Santos jogar. A guerra separatista no antigo Estado do Biafra é conhecida como uma das maiores tragédias humanitárias do mundo. O número estimado de mortos está entre 500 mil e três milhões de pessoas. O país africano tornou-se independente do Reino Unido em 1960 e conflitos internos foram gerados pela supremacia e o acesso a recursos naturais, especialmente o petróleo. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), em conflito com a Confederação Sul-Americana, havia decidido que Santos e Internacional, campeão e vice do Brasil em 1968, não participariam da Copa Libertadores de 1969. Então, o Santos partiu para uma sequência de jogos na África que se revelaria histórica, passaram pelo Congo, Nigéria e Moçambique. Mas isso é história pra depois, o nosso tema hoje é outro: Didier Drogba. Acredito que a grandeza de Didier Drogba dentro das 4 linhas não é novidade pra ninguém, considerado para muitos o maior atacante da história do futebol africano. Didi é referência na vida. No ano de 2002 iniciou-se a Primeira Guerra Civil da Costa do Marfim, quando rebeldes saindo de Burkina Faso estavam tentando tomar o controle da capital, Abdjan. O país estava dividido em duas partes. Mesmo com os conflitos acontecendo, no ano de 2005, a Seleção da Costa do Marfim teve sua melhor geração de todos os tempos e conseguiu algo histórico: a classificação para a Copa do Mundo de 2006, após vencer o jogo contra o Sudão por 3 a 1. A população que passou 3 anos de tristeza e sofrimento, teve um motivo pra sorrir: o futebol. Como comemoração, Drogba se posicionou de forma pacifista e dentro do vestiário fez um discurso televisionado para todo o mundo pedindo que o país se unisse neste momento, deixando as questões políticas de lado. “Homens e mulheres da Costa do Marfim - Drogba estava rodeado por todos os seus companheiros - Do norte, sul, centro e oeste, hoje demonstramos que todos os marfinenses podem coexistir e jogar juntos com um objetivo comum: se classificar para a Copa do Mundo. Prometemos que as comemorações uniriam o povo, hoje suplicamos de joelhos... - e, nesse momento, os jogadores se ajoelharam - que perdoem uns aos outros. Perdoem. Perdoem. Um grande país como o nosso não pode se render ao caos. Deponham suas armas e organizem eleições livres" - finalizou o capitão.” O pedido funcionou! Com o país todo assistindo naquele momento, o apoio popular para cessar fogo, cresceu bastante. Uma semana após o discurso, ele veio. Após anos de conflito e mais de 4000 pessoas mortas, a guerra foi adiada, poupando milhares de vidas. O ano de 2006 foi espetacular para Didier, campeão da Premier League pelo Chelsea, o atacante foi eleito o melhor jogador africano da temporada. E como manda a tradição, ele queria levar o seu troféu para casa e o local escolhido foi Bouaké, na época, base central do exército rebelde. Foi abraçado por todos no aeroporto e fez uma promessa: “Quando eu voltar, trarei toda seleção comigo”, e ele cumpriu. Em Maio de 2007, a cidade parou para assistir a Costa do Marfim golear Madagascar por 5 a 1, pela Copa das Nações Africanas. "Ver os dois lados juntos, cantando em uníssono o hino do meu país, foi muito especial. Senti que a Costa do Marfim estava renascendo", declarou o gigante atacante. Não é de surpreender que, no dia seguinte, após a vitória da Costa do Marfim por 5 a 0, um jornal local tenha manchetado a notícia assim: "Cinco gols para apagar cinco anos de massacres em seu país." Eram inimigos lado a lado, torcendo pelas mesmas cores. Atualmente, além de ocupar o cargo de embaixador da saúde e esporte na OM S, ele tem a Fundação Didier Drogba , que tem o objetivo de ajudar no desenvolvimento de seu país. Feitos como esses levaram o marfinense a ser incluído em 2010, pela revista Time, entre as 100 pessoas mais influentes do mundo. Também naquele ano, o clube onde se formou, Levallois SC, decidiu nomear seu novo estádio como "Stade Didier Drogba". "Ser um homem é mais importante do que ser um campeão."
O CAPITALISMO ESTRAGA A BELEZA DO FUTEBOL
As glórias do futebol estão sendo manchadas por oportunistas que não entendem o significado real das conquistas e tentam se autopromover invadindo momentos históricos que não os pertence. Recentemente vimos a Argentina se sagrar campeã, depois de 30 anos, da Copa do Mundo. A última vez que os hermanos levantaram a taça foi no México, em 1986, numa campanha marcada pelo protagonismo de um dos jogadores mais icônicos da história do esporte mundial: Diego Armando Maradona. As belíssimas fotografias do momento eternizaram o momento em que Maradona, que já era destaque entre seus contemporâneos por ser um jogador cheio de habilidade e de polêmica, subiu ao patamar de ser um dos maiores jogadores de futebol da história mundial, ao lado de Pelé, Beckenbauer, Cruyff e outros ícones que o precederam. No mesmo século, duas copas depois, nosso Brasil teve o mesmo privilégio. Numa final dramática contra a Itália, decidida nos pênaltis, o Brasil conquistou sua quarta conquista mundial após 34 anos. A nossa memória coletiva dessa conquista é a da voz de Galvão Bueno gritando o icônico “É TETRA!” em imagens onde se encontra abraçado ao nosso maior ídolo: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Além da voz icônica do recém-aposentado narrador, o registro (de pertinho) de Romário beijando a taça com a bandeira do Brasil nas costas, ao lado do queridíssimo Dunga, é uma das lembranças instantâneas que temos quando se fala do Tetra. Até mesmo pra quem não era nascido na época. Impossível deixar de citar também o belíssimo registro do beijo triplo entre Rivaldo, Ronaldo e a Taça da Copa do Mundo de 2002. Nosso último título, conquistado no século presente, deu continuidade ao ressurgimento da Amarelinha como a seleção que aterroriza qualquer um que venha jogar contra, seja ele alemão, português, equatoriano, argentino, enfim. Esse título é muito marcante também por ter sido conquistado pela geração que fez muita gente, inclusive quem está escrevendo esse texto, se apaixonar pelo futebol. Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Cafú, Roberto Carlos, Dida, Kaká e todos os outros são, como jogadores, ídolos inquestionáveis da nossa geração. Todos esses registros acompanham histórias plenas de reviravoltas, jogos emocionantes e lances inesquecíveis. A responsabilidade do registro é justamente a de eternizar a atmosfera e os sentimentos que acompanharam os momentos que são o resultado dessas histórias. Essa representação de um momento é um papel importante, por isso é necessário que esses registros sejam perfeitos. Os fotógrafos se certificaram, primeiramente, se seus equipamentos estavam em pleno funcionamento, se as lentes estavam limpas, se os filmes não estavam queimados e todas as outras particularidades técnicas envolvidas na fotografia. Indo além do aspecto técnico, outra coisa é essencial para se assegurar que a captura do momento de uma cerimônia de entrega de taça de Copa do Mundo seja perfeita. É necessário que o momento em movimento seja perfeito, que não seja marcado por fatores externos que venham corromper o verdadeiro significado da cerimônia: a coroação de uma equipe que atravessou todas as fases do torneio, superando dificuldades e momentos que exigiram competência, superação dos limites e um pouco de sorte. A celebração, com mérito, da equipe que no fim se mostrou ser a única verdadeira merecedora dessa honra. Assim tem sido de 1930 até hoje. Porém, nessa última cerimônia, um fator externo contribuiu para que os registros não tenham sido totalmente perfeitos. Apesar de ser impossível registrar Lionel Messi levantando a taça do Mundial (a maior de todas do futebol e possivelmente a única que faltava em sua carreira lendária) e a imagem não ser no mínimo histórica, houve um esforço de algumas partes para que a cerimônia não fosse só sobre a equipe vencedora, como deve ser, e assim perdesse um pouco de sua magia. Para introduzir o assunto, vou pedir que você observe essa imagem da cerimônia do título da Copa do Brasil de 2022 do Flamengo, que faz um paralelo: Sabe quem é esse cara de máscara? Por incrível que pareça, ele não é jogador. Nem faz parte da comissão técnica. Nada disso. Ele é nada mais, nada menos, que um MC paulista. E o que ele tem a ver com o título da Copa do Brasil do Flamengo? Não sei te dizer se ele teve alguma contribuição no progresso da conquista, mas o fato é que ele está eternizado ao lado dos jogadores (visivelmente desconfortáveis) no registro da cerimônia. Deduzir o que ele estava fazendo ali é simples: foi convidado, por ser famoso e rico, por alguém que tinha o poder de colocá-lo para assistir o jogo no estádio (muito provavelmente de graça) e se viu no direito de invadir o campo durante a cerimônia. Como não foi barrado por ninguém e acabou saindo nas fotos do momento, conclui-se que ele realmente tinha esse direito. Esse é o influencer, o agente do capitalismo responsável por estragar a beleza das glórias. Numa cerimônia que, em essência, se trata de coroar o esforço de uma equipe de técnicos e atletas que se mostraram superiores aos demais competidores, não deveria haver espaço para alheios que veem no registro desse momento especial uma oportunidade de promoverem sua imagem. No caso paralelo, o da Copa do Mundo, o episódio é ainda mais absurdo: além de ser uma competição de importância e história bem maior, o influencer em questão se viu no direito de TOCAR E BEIJAR A TAÇA. Detalhe: essa taça da cerimônia é a original. É a mesma taça que vimos Maradona levantar; que Romário, Rivaldo e Ronaldo beijaram. Como se não bastasse tocá-la, no vídeo podemos ouvir claramente a superfície da taça sendo arranhada por um dos anéis do cidadão. Ao permitirem essa liberdade a um indivíduo que não tem absolutamente nenhum merecimento de tocar a taça da Copa do Mundo (ainda mais se tratando de uma personalidade que não tem nenhuma relação sequer com o esporte) sua história não está sendo respeitada e seu significado sendo ignorado. O protocolo da FIFA só permite que pessoas seletas (jogadores ganhadores do título e chefes de estado, por exemplo) possam tocá-la. O indivíduo das fotos é amigo pessoal do Gianni Infantino, presidente atual da instituição. E claramente está acima do protocolo. Deixando de lado essa conversa de protocolo e abrindo mão do aspecto material da Copa do Mundo, essa situação ainda permanece inaceitável. Como dito acima, a cerimônia é, por essência, sobre a equipe ganhadora. Claro que é comum que a imprensa e amigos e família dos jogadores invadam o campo, mas esses indivíduos são, na história das celebrações, personagens que têm seus papéis no registro e na construção da atmosfera da celebração coletiva. As câmeras, os beijos nos filhos e nas esposas, tudo isso faz parte da mágica do momento. A questão é: o influencer que invade o campo não está lá como representante do sentimento coletivo e sim como representante de sua própria marca. Aquilo é, pra ele, nada mais que um momento de promoção. Promoção de sua importância, por ter o privilégio do acesso livre e promoção de sua influência, por ter fotos de perto com jogadores campeões. A presença dos cartolas, por exemplo, mesmo sendo um aspecto indesejável, é algo que aprendemos a tolerar, porque os mesmos geralmente reconhecem que o momento não é deles e não partem pra cima dos jogadores para roubar seus holofotes. Mas o que indigna de fato não são as intenções oportunistas dos influencers. Qualquer um pode invadir o campo e tirar uma selfie com o Messi, é bastante comum inclusive. Na verdade, já presenciei um momento onde um indivíduo invadiu o campo para tirar foto com o jogador JACARÉ, do Bahia. Faz parte do esporte, estamos acostumados. O que indigna é que, enquanto esses torcedores comuns recebem punições, até exageradas, por quebrarem o protocolo de segurança dos estádios (leia-se: deixar escancarado que os jogadores não estão protegidos de fato, a segurança dos estádios é precária e a polícia só tá ali pra bater em torcidas organizadas mesmo, mas vamos deixar esse assunto pra outro texto), esses influencers possuem carta-branca para fazer o mesmo e até pior - porque invadir o campo não é nada comparado a tocar numa taça de Copa do Mundo sem ter o devido direito. A consequência dessa folga aos ricos e famosos, cedida pela corporativização do esporte, é a corrupção dos registros dos momentos históricos. Imagina você acompanhar, por uma temporada inteira, seu time ganhar um título e no registro fotográfico oficial que o marca você ver a Anitta levantando a taça. Se você for um apaixonado por futebol como eu, esse título faz parte da história do seu time e da sua história pessoal. Como você vai explicar isso para seus filhos e netos? Absurdos (ou não?) à parte, essa situação é um sintoma de que as marcas, sejam elas as multinacionais ou os indivíduos-marca, estão cada vez mais engolindo o esporte. Não podemos deixar que indivíduos que não entendem o significado das conquistas contaminem registros que são históricos. Precisamos expulsar os oportunistas do futebol e evitar que apareçam ao lado dos verdadeiros donos das glórias do esporte como se fossem tão ou mais importantes quanto. Assim certificando que esses momentos não percam seu significado.
COELHINHOS, URSINHOS E PATRIOTISMO
A China vem sempre ensinando como o patriotismo é importante para uma nação soberana. Infelizmente parte da esquerda no Brasil despreza esse sentimento, muito por serem lacaios do EUA e de idéias pouco revolucionárias. Enquanto isso, na China, eles buscam captar os jovens através de mensagens simples e que contam a história de luta do seu povo. A animação chinesa The Chronicle of the Rabbit (那年那兔那些事) conta fatos históricos da China na Segunda Guerra Mundial e da sua revolução. Com mensagens claras para mostrar quem são seus verdadeiros inimigos, a série ganhou muita atenção entre crianças e adolescentes no país. Coelhos comunistas são os chineses, imperialistas japoneses são galinhas e soldados americanos são águias, ursos comunistas os russos, elefantes os indianos e muitos outros personagens representam povos ao redor do mundo . Eles usam o conteúdo dos filmes de propaganda do passado da China e o atualizam como desenhos animados, tornando-o mais atraente para a geração millennial e Z chinesa. Como visto abaixo, muitas cenas são retratadas duas vezes – uma com atores humanos e outra usando personagens de desenhos animados – assim embutindo eventos históricos familiares com novas associações emocionais: A série animada mostra também o fim da Segunda Guerra Mundial com a China comunista e as forças do Kuomingtang (representadas aqui como uma criança careca de cabeça redonda) lutando contra o Japão (a galinha amarela) até que os EUA joga a bomba atômica sobre o país: O conceito de usar vídeos on-line para educar os jovens chineses sobre sua história, ao mesmo tempo em que lhes inculca um senso de propósito, é comumente visto em vários vídeos na plataforma em Bilibili. Porque não se faz uma nação soberana sem os seus jovens engajados. A China passou maus bocados na colonização japonesa e o sentimento de "A China nunca mais será escrava" é muito forte por lá. Este é um sentimento que devia ser presente no Brasil também, porque além de colonizados por Portugal, hoje o país é serviçal do imperialismo do Estados Unidos. O que nos traz muito mais prejuízo que benefício, pois não temos o mínimo de autonomia em decisões importantes, porque o crescimento do Brasil seria prejudicial para eles, a nossa miséria é beneficial para esses vermes e seus aliados. E não há troca de presidente que mude isso. Voltando ao 那年那兔那些事 . Eles ensinam até sobre a importância de seus desfiles militares. Em um vídeo sobre o desfile militar de Pequim de 2015. Animado usando o estilo South Park e incorporando vários memes da internet , o vídeo diz ao espectador para se orgulhar da enorme demonstração de força porque os desfiles militares são normais, citando uma cerimônia de 4.000 anos antes do estabelecimento da Dinastia Xia. O vídeo faz questão de trazer contra-argumentos. Em relação às críticas de que os desfiles militares são "costumes corruptos de monarcas de velhos continentes e um sinal de beligerância", o vídeo contra-ataca mostrando um avião de guerra lançando bombas de "liberdade", "democracia" e "paz", mostrando que esses países não-militares que não realizam desfiles "fazem coisas que não queremos ver". O vídeo também cita a Arte da Guerra ao explicar que um grande exército é necessário como dissuasor, explicando que "A realização da paz através da subjugação do inimigo sem lutar é de fato a melhor política de todas". Essa é só uma das técnicas do Partido Comunista Chinês de atrair mais jovens para o ideal de uma China grande e soberana, a participação de jovens no partido cresce mais e mais. Enquanto algumas alas da esquerda no Brasil disseminam ódio do seu próprio país entre os jovens. Temos tantos exemplos de grandes pessoas que lutaram por mudanças nesse Brasil, mas na primeira oportunidade desprezamos nossa própria terra. Enquanto esse sentimento não for semeado de maneira certas seremos sempre serviçais de interesses alheios ao bem da nossa nação. “Há duas classes de nacionalismo: nacionalismo revolucionário e nacionalismo reacionário. O nacionalismo revolucionário está, em primeiro lugar, dependente de uma revolução popular cujo fim último é que o povo esteja no poder. Além do mais, para ser um nacionalista revolucionário por necessidade, há que ser socialista. Se você é um nacionalista reacionário, você não é socialista e, logo, o seu fim último é a opressão do povo.” - Huey Newton , líder dos Panteras Negras.
HUDA AMMASH — A LEOA DO IRAQUE QUE AMEDRONTOU UM IMPÉRIO INTEIRO
Texto de: Lucas Rubio Arte de: Letícia Muller Huda Salih Mahdi Ammash é um dos nomes mais importantes do Iraque e de toda a resistência global aos Estados Unidos. Ela foi uma das grandes mentes por trás do governo Saddam Hussein e uma notável cientista, militar e intelectual iraquiana. Huda Ammash nasceu na cidade de Bagdá , no seio de uma família membro do partido Baath’, que organizou a Revolução. Desde muito jovem, esteve envolvida no ambiente político. Nos anos 1970, Ammash concluiu a graduação em Biologia pela Universidade de Bagdá e f ez pós-graduações em Microbiologia nos Estados Unidos. De volta à pátria após se tornar PhD e uma formidável cientista nessa área, Huda Ammash começou a liderar várias pesquisas científicas no Iraque. Ela comandou trabalhos pioneiros na investigação sobre os impactos da poluição microbiológica das cápsulas de projéteis após a Primeira Guerra do Golfo, a propagação de doenças infecciosas durante o conflito, a poluição química e até mesmo os impactos dos embargos dos EUA no meio ambiente e saúde pública do Iraque. Ela alcançou o cargo de reitora da Faculdade de Ciências e da Escola de Professoras da Universidade de Bagdá e, logo depois, foi eleita para o Conselho do Comando Revolucionário, órgão de governo do Iraque. Um rosto feminino num dos governos mais difamados e atacados do século XXI . O auge da sua vida começou quando ela ingressou nas Forças Armadas Iraquianas e se tornou uma das mais importantes conselheiras de Saddam Hussein, atuando também como ministra. Seu nome passou a ser respeitado em todo o Iraque e ela era a única mulher vista nas reuniões da cúpula do governo, mesmo durante a guerra. A Dra. Huda Ammash começou a comandar uma série de programas secretos de investigação científica que foram, no Ocidente, interpretados como tentativas de enriquecimento de urânio para o desenvolvimento de armas nucleares paralelas ao desenvolvimento de armas biológicas e bioquímicas, centro dos estudos da vida da Dra. Huda Ammash. Utilizando-se desse pretexto — de que o Iraque estaria desenvolvendo armas de destruição em massa —, os Estados Unidos da América iniciaram uma guerra de caráter aniquilador e genocidário contra o Iraque . Durante a invasão criminosa dos EUA, a Dra. Huda Ammash foi considerada a 5ª figura “mais perigosa do regime” e sua imagem começou a ser odiada nos EUA. Ela era a 53ª pessoa mais procurada do Pentágono. O sentimento ardente de patriotismo e a lealdade com a causa de autonomia do Iraque de Huda Ammash a tornaram uma personalidade temida e atacada na mídia estadunidense. Mesmo nos piores momentos da guerra, até mesmo nos estágios finais, ela nunca desertou ou renunciou, ficando ao lado de seu país e de Saddam Hussein. A Dra. Huda Ammash chegou a montar uma campanha nacional no Iraque em prol da doação de sangue para os soldados feridos nos combates. Em seu imponente uniforme militar, visitou hospitais de campanha, decorados com placas de “Bush assassino”, e, em visita às trincheiras, encorajou os soldados a lutarem. Ela acabou sendo capturada em 2003 pelos EUA, sendo presa imediatamente. Após adoecer na prisão, foi liberada e vive ainda hoje com os impactos da prisão. Ela tem 68 anos e é uma das raras mulheres a alcançar tantos cargos e títulos históricos. No fim da guerra, que destruiu completamente o Iraque, descobriu-se que os iraquianos nunca tinham sequer desenvolvido tais armas de destruição em massa. Até hoje, em todo o Iraque, ela é vista como uma mulher de fibra e coragem, uma líder científica e militar que lutou ao lado do seu povo pela independência de sua nação milenar. Na internet, em vídeos sobre sua vida, são inúmeros os comentários que a classificam como “heroína do Iraque” e “a leoa que deixou o Império em desespero”. A Dra. Huda Salih Mahdi Ammash é um nome brilhante que não pode ser esquecido e que deve inspirar todos os homens e mulheres estudantes, cientistas e patriotas do mundo a dedicarem tudo de si à causa da autodeterminação, custe o que custar. Viva a Dra. Huda Ammash — a leoa do Iraque! Original no Medium aqui.
O AUTO-RETRATO QUEBRADO DE REDMANN
Capa e contracapa por Lessa Gustavo. De Joinville/SC, Redmann se envolveu com música pela primeira vez muito novo, na igreja, tocando bateria. O MC começou a compôr em 2018, mas só lançou seus primeiros singles em 2021. Para 2022, o álbum, vai marcar a virada para seus 20 anos e uma maior maturidade artística, acompanhado da participação de nomes fortes da cena do rap independente. “ Auto-Retrato Quebrado ” combina letras de revolta e desabafo pessoal com beats melancólicos, referências de jazz e um clima sombrio na maioria das faixas. Os sintetizadores e guitarras quase sempre se misturam com a voz crua de Redmann, num plano acima do instrumental. Apesar disso, cada um dos sons possui suas características próprias. O álbum começa, de certo modo, do mesmo jeito que termina: uma beat rico em ambiência, sem voz, puramente instrumental. Em seguida, já na terceira faixa ( Se não fosse a arte eu já tava morto ), o também rapper Matheus Coringa aparece como a primeira e ótima participação naquela que é, provavelmente, a música com a vibe mais "sombria" da obra. No próximo som, De Olhos Bem Fechados , Redmann rima em um beat frio e melancólico, que abusa da presença da bateria, com uma letra poética durante toda track, a transição fazendo referência ao filme Beleza Americana dá espaço a um discurso para conclusão do som. O próximo feat vem com ogoin , que sai com destaque na faixa Roda da Fortuna , em um excelente beat com um sample de jazz rodando em loop. Redmann já inicia o som num tom sarcástico cantando " Roda da fortuna, se eu tiver errado vou girar roleta russa ". A música seguinte, Efeito da Salvia , é de um ritmo muito marcante de boombap. Sem dúvidas uma das melhores do álbum, Redmann abusa de um flow contínuo, talvez o melhor usado, com poucas pausas na voz e muitas rimas que se encaixam em sequência, mesmo durante a virada do beat. Além disso, o instrumental se utiliza muito de sons externos que ditam o ambiente da música. Chegando na metade do álbum, a rapper nabru aparece junto de Redmann em Contigo Eu Consigo Parar Com O Cigarro , faixa em que as letras e a batida se misturam em melancolia por parte dos dois artistas. Já em Terra No Meu Guardanapo e em Na Casa do Jorge (com participação de SBG ) , surgem beats muito semelhantes a batidas de lo-fi, com uma melodia e baterias mais leves, que se encaixam com a letra que carrega crítica a alienação, quase que a uma 'vida de formiga' e ao capitalismo. Em Baralho Online , Redmann rima em um sample da música Movimento dos Barcos, de Jards Macalé . Com uma letra cativante, o sample de violão ganha uma roupagem nova e mais enérgica que a original. Em seguida, em Eu Preciso Arrumar Minha Casa , com participação de ieti , mais uma vez se forma uma combinação perfeita entre Redmann e seu feat. Em um instrumental sem bateria, a energia da música fica na responsabilidade dos dois rappers, que trazem um dos sons mais alternativos do álbum nessa faixa. A penúltima faixa conta com a última participação do álbum, com a presença de Heloo . É um som que já inicia com cara de clássico. Num beat muito bem construído, com uma letra carregada de desabafos e que traz uma mensagem presente no álbum todo, como no trecho " luto com minhas neuroses mesmo acordado ". Por fim, como num conceito claro, o álbum finaliza do mesmo modo que começa: um beat rico em ambiência, sem voz, puramente instrumental. “Auto-Retrato Quebrado” é um álbum de rap que flerta com subgêneros menos conhecidos como boombap experimental, hip-hop abstrato e o trip-hop. Me inspirei em nomes da gringa como MAVI, Pink Siifu, MF Doom, Milo, Armand Hammer, entre outros. Da cena do Brasil me inspirei em nomes como Makalister, Lessa Gustavo e Paola Rodrigues; sem contar os artistas que participaram do disco, que também são referência pra mim. A verdade contra a mentira, o certo versus o errado, um olhar para um mundo caótico que em certos dias não faz nenhum sentido, e em outros faz total sentido. Durante o processo desse disco descobri que a existência humana parece sempre buscar aquele sentimento de epifania, onde nos sentimos um com nosso corpo, mente e o mundo à nossa volta. O problema (ou aquilo que torna essas experiências tão especiais) é que elas não acontecem com a frequência que nós gostaríamos. - Redmann FICHA TÉCNICA: Um disco de Redmann Produzido por Redmann e Chiarelli! Intrumentais por Chiarelli! , e e.inc em "Terra no Meu Guardanapo" Captação por Zxka em Joinville/SC Mixagem e masterização por Zxka PARTICIPAÇÕES Matheus Coringa em "Se Não Fosse a Arte Eu Já Tava Morto" ogoin em "Roda da Fortuna" nabru em "Contigo Consigo Parar com o Cigarro" SBG em "Na Casa do Jorge" Heloo em “Permanência” ieti em "Preciso Arrumar Minha Casa" Capa e contracapa por Lessa Gustavo Direção criativa por Redmann e ogoin
POR TRÁS DAS LENTES DE NEIL LEIFER: O MVP
Texto por Gabriel Monteiro Arte por Paulo Eurides Algo, infelizmente, muito raro na sociedade é o reconhecimento certo dos artistas da oitava arte pelos veículos de mídia convencionais. A fotografia não só encanta nossos olhos, como registra a história da humanidade com precisão, e poucos desses profissionais registraram a história e conquistas de ícones negros dos esportes americanos como Neil Leifer . Para o crítico americano Jean-Denis Walter, Leifer produziu para a fotografia esportiva o equivalente à produção de Leonardo da Vinci para a pintura. Nascido em 1942 e tido como um dos maiores fotógrafos esportivos de todos os tempos, Leifer tinha o hábito de entrar de penetra em estádios de baseball e futebol americano desde os 16 anos de idade para poder exercer sua paixão mais de perto. Aos 18, ele já começa a trabalhar com a aclamada revista Sports Illustrated , para quem registrou as 12 primeiras edições do Super Bowl. Conforme sua carreira alavancava, o fotógrafo esteve presente em incontáveis jogos da World Series de baseball, quatro Copas do Mundo da Fifa (incluindo a copa de 1970, em que fotografou a seleção brasileira de Pelé na conquista do tricampeonato ) e em mais de quinze edições dos Jogos Olímpicos. Leifer é o responsável pela icônica foto no pódio de Tommie Smith e John Carlos, quando os atletas se manifestaram a favor do partido dos Panteras Negras. Mesmo em meio a todos esses grandes acontecimentos, não é nenhum deles o mais marcante de sua carreira, pois seu grande “muso” sempre foi o herói dos ringues: Muhammad Ali. O fotógrafo esteve, ao todo, em mais de 60 partidas de Ali e foi o par de olhos capaz de registrar os cliques mais famosos da vida do atleta, como na vitória em cima de Sonny Liston em 1965. Ainda hoje, já afastado do ramo da oitava arte, Neil diz que o boxe é o único esporte que ele não deixa de amar fotografar. Fontes: https://neilleifer.com/ https://www.holdenluntz.com/artists/neil-leifer/ https://www.blind-magazine.com/en/stories/neil-leifer-the-wonders-of-sport/
TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH: A NOVA SALVADOR DE VANDAL
Texto por Diego Blanco Revisão por Enzo Lang VANDAL é muita coisa, muita mesmo. Mas se tem uma que ele é, mais do que todas, é “ de verdade ”, e ele sabe disso. “Vandal [é] de verdade”. Ele é toda essa muvuca — no sentido lindo que a palavra verdadeiramente tem, não no distorcido — de criatividade, sentimento, raiva, amor e talento. Esse disco é de 2015 . Eu tenho que me esforçar pra lembrar disso. “ TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH ” foi lançada em outubro de 2015, mas poderia ter sido lançada em qualquer um dos últimos anos. Se o “ BRIME! ” de Febem e Fleezus é com B de Brasil, “ TIPOLAZVEGAZH ” é com B de Bahia. O primeiro disco de MPB (Música Pra Bagaçar) jamais será esquecido e tampouco deve. Antes de explicar minha visão sobre o disco, eu preciso estabelecer uma determinada linha de raciocínio; Acredito que exista um processo, consciente ou não, na forma em que consumimos música, e que acaba por dividir a “música pra pensar” das demais, assim como dividimos a água do vinho. Criando uma escada de valores e determinando a qualidade com base na profundidade — supostamente — intelectual de uma obra. A música começa a ser pensada de forma hierarquizada; existe a música que beira o divino, com letras complexas, pensamentos rebuscados e mensagens que teoricamente não podem ser ignoradas, e a música profanizada, que é “somente” — como se fosse pouco — para dançar, sentir, pular ou o que for. Dito isso, quero deixar claro que pra dizer o que penso sobre VANDAL, me coloco contra tudo escrito neste último parágrafo. Porque pra mim, o sentir é tão — senão mais — importante quanto o pensar. E mesmo que exista tal divisão na música, é horizontal e não vertical. Quer dizer, menos pra VANDAL, pois em “ TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH ”, um projeto rico em tudo, ele faz os dois, mas não em uma verticalização do som ou numa escada de valores em que se é conquistado o intelecto após superar o corpo. Não. VANDAL entende que tudo anda lado a lado, e cria um conceito estético baseado na conversa entre os sentires, o protesto é refletido igualmente nos seus versos e na construção do instrumental, na inflamação de sua voz — que não poupa sentimento. — , na raiva, no refresco, na paixão, nada se limita ao texto escrito de VANDAL, e sim entrelaça-se nos múltiplos textos relacionados dele. Já na primeira faixa se estabelece o tema central do álbum e a forma em que se põe a conversa — e também contraste — entre denúncias, protestos, preces e exaltações feitas pelo artista.
Vandal dispensa introdução Foda-se a polícia a gente ainda é desse tempo, irmão Foda-se o governo, irmão Eles tão fudendo, irmão A gente há muito tempo, irmão Irmão, segura a minha mão Vê que é de verdade, irmão Vê quem tá suando, irmão Olha nos meus olhos, irmão Veja a minha alma, irmão Vê que tá chorando, irmão Vejo irmão matando irmão Emoção de facção Isso não tá certo, irmão Todo mundo é alemão Cês tão vendo bicho, irmão Só fazendo merda, irmão Vê se eu não tô certo, irmão Meus irmão tão preso e os da rua não tão rico, irmão Irmão, cê me ajuda então Que eu também te ajudo, irmão Nóis caminha junto, irmão Tomando o título de “Yeezus” brasileiro, ao mesmo tempo que autêntico e autossuficiente — sem fazer questão e nem menos orbitar em torno desse título — , “TIPOLAZVEGAZH” é uma mixtape que abraça o exagero, a saturação estética como consequência de uma realidade saturada, um caos implementado que se torna palco de um MC que tem muito pra falar e tela de um artista que pinta a realidade com suas próprias lentes. Tanto a direção estética quanto sonora do projeto, como a escrita quase visual das faixas e versos— até as roupas e a forma em que VANDAL escreve nas redes sociais— , são todas determinantes de um conceito e proposta estética retratada por ele do início ao fim do projeto . O artista traduz, utilizando desses elementos como veículos, a crueza e dinâmica de uma Salvador desconhecida por muitos, e muito conhecida por ele. VANDAL é “TIPOLAZVEGAZH MIXTAPEH”, e essa via é de mão-dupla. VANDAL encontra tempo — ou abre o caminho para o seu próprio tempo — para viver o amor, as luzes de uma cidade que te morde e te abraça, e para dançar regado a cerveja e suor. Tudo isso no meio da invisível brutalidade de uma Salvador tornada visível em refrões e faixas tão dançantes quanto afiadas, como “VEMH NIH MINH” e BOOKROSAH”, que apresentam um tom de pausa melancólica e etérea, para absorver e ressignificar a carnalidade da vida. A dualidade entre dor e prazer; amor e violência, o tesão e o medo. Aposto minha vida, rival da emoção Drogas jamais me darão um milhão Nunca te amo por decepção Mil prostitutas pro meu coração Nunca te amo, segura minha mão Corre comigo se tiver visão Roda a roleta prestando atenção Olha o tambor que tá com munição Olha essa peça, cuidado com o cão Tão apostando o dinheiro do pão Ele passou, tá na hora da ação Sangue no olho não vale perdão Com a sua camisa jogando no chão Pra começar dá um tiro na mão Respira fundo, sente o tesão Me passa a peça, eu termino a missão Além de Cidade Nova ser o bairro onde VANDAL cresceu, de forma consciente ou não, o artista propõe, ao mesmo tempo que constrói, ele mesmo uma “NOVAH SALVADORH”, que tem a sua mixtape como hino. Eu sou safado e nem dá pra perceber Eu tô de olho no contrato que assinei sem saber ler Quando eu morrer vou precisar de dublê Que o Diabo tá me esperando mermo sem eu perder […] Eu sou core, hardcore que nem tuas puta já sabe Se conforme que me rosto dispensa sua maquiagem Desculpe meu paparazzi, mas eu amo a intimidade Eu só quero aquela foto mal-tirada do covarde Original Vandal, Vandal Style Vermelho tipo Campari, amargo tipo saudade Eu gosto como elas fazem, se ela ama, ela reage Vive mil e uma noite preocupado com as miragem Quando ouvi o projeto pela primeira vez eu nem sabia de fato o que era grime ou drill. Eu só sentia aquelas faixas, ouvia toda aquela overdose sonora fervendo nos meus ouvidos e sabia que tinha vindo do futuro. Essa “ MIXTAPEH ” é consequência de alguém que sabe muito bem onde está pisando, o que se é e o que se quer ser. VANDAL se estabelece como pensador, poeta, MC, artista e bagaçador de caixas e, além de criar, também mantém como ninguém todo um universo estético e sonoro que é difícil não querer conhecer. Talvez eu esteja 7 anos atrasado neste texto, afinal, a mixtape é de 2015, mas inevitavelmente, que época melhor para escrever sobre um projeto que veio do futuro, senão em seu respectivo presente ?
É DOCE MORRER NO MAR — 108 ANOS DE DORIVAL CAYMMI
Texto por Diego Blanco O legado de Dorival Caymmi atravessa um ponto fundamental de transformação na cultura brasileira. Anterior aos bossa-novistas, a consolidação de Caymmi como artista enquanto acontecia, alimentava gerações de artistas num futuro real de uma linha do tempo antropofágica. Artistas como Caetano Veloso, apesar de terem João Gilberto como norte e prévia de um possível futuro, tinham nosso músico de Itapuã como pilar e lugar comum, como casa de saberes e lugar de acolhimento. A arte de Dorival, ao contrário do que é comumente posto quando se trata de outras, carrega sua força justamente em não apontar pro futuro, pelo menos não pro futuro de vanguarda ou de pretensão alguma — nada contra as vanguardas — , mas isso não significa que não apontava pra lugar algum. Num trajeto de vida que não termina com sua morte, a força conjurada por ele em sua obra era a mesma que o movia, e o impede de morrer. Uma força que aponta pro realismo mágico cotidiano de Salvador que, como apontou o autor cubano Alejo Carpentier, na América Latina é apenas realismo. Numa nação atravessada por sincretismos, pluralidade e força, somente alguém de fora poderia chamar de mágico algo que pra nós sempre foi real. Que pra Dorival Caymmi sempre foi real, e de fato é. É assim que ele mistura com tanta naturalidade elementos místicos com a dureza do cotidiano imutável, o assovio dos pescadores com as lendas do Abaeté, as mulheres que esperam na areia uma jangada voltar sozinha, enquanto alguns cantam que É Doce Morrer no Mar . E depois de ouvir Caymmi, deixa de ser difícil entender por que seria doce morrer no mar. Por que uma lagoa não é só uma lagoa, e torna-se além de fácil, inevitável abraçar a ideia de que existem coisas maiores que a gente, e que moram no mistério. Dorival Caymmi abraça o mistério. No seu 108º aniversário, coloco Canções Praieiras, meu disco favorito de Caymmi, pra tocar e agradeço. Agradeço por esse disco, pelas canções mais mágicas que já ouvi na vida. Por um feitiço tão simples, ancestral e poderoso que é completamente hipnotizante. A energia existente nos 23 minutos de Canções Praieiras é uma das mais bem postas, presentes, fortes e “sentíveis” que já senti. É como se toda vez que alguém entrasse num cômodo desse pra saber se Canções Praieiras foi tocado logo antes. Esse álbum deixa uma marca, abre um espaço, invoca uma força que não tem nem nome ainda, ou que teve há muito tempo. Tem algo de assustador nesse disco; as histórias, os personagens, os cantos, melodias, parece um conto antigo, uma lenda, os registros de uma entidade mágica. Os relatos de um homem que viveu num tempo em que essas entidades existiam entre nós. Que o mar tinha guardiões, os peixes traziam mensagens e os pescadores viam coisas que nenhum outro humano jamais viu. Itapuã e Jaguaribe ecoavam os sopros salgados que batiam de rosto em rosto de cada alma viva que pisava naquelas praias. É Doce Morrer No Mar. Quando me perguntam de que data é esse álbum, por mais que seja impressionante o fato de ser de 1954, ao mesmo tempo não é. E eu gosto de fingir que eu não sei. Canções Praieiras não é sobre uma data, não tem validade, e eu gosto de sentir que foi um registro de algo que nunca surgiu nem vai deixar de existir, de algo que sempre esteve. É muita beleza, é quase que uma força da natureza, alheia aos maniqueísmos, à moralidade humana, é a força caótica, visceral, delicada, melancólica, dura e salgada, irrefreável. O mar, a solidão, o amor, a morte, a lagoa escura do Abaeté e os segredos guardados nas profundezas dela. Canções Praieiras nos aproxima das profundezas abissais dos mistérios da vida, da natureza, da espiritualidade e da feitiçaria interna da humanidade. É ao construir esse imaginário que Dorival torna-se imortal, e a celebração de sua vida passa a ser a manutenção de uma realidade que existe para além da gente. Os futuros artistas que transformaram a nossa música e nossa cultura tomaram bastante cuidado pra não transformar Dorival Caymmi. Pra não passar por cima de sua força — nem se quisessem — , pelo contrário, a usaram como mastro pra navegar num mar que por mais que se use um outro tipo de bússola, no seu centro tem um altar com seu nome.
A INFLUÊNCIA DA INDEPENDÊNCIA ARGELINA NA SELEÇÃO FRANCESA
Por Davi Ramos Arte de Fresh Gvbs No século XIX, com o enfraquecimento do Império Otomano e ascensão do imperialismo europeu, a França começava a investida na dominação de territórios, principalmente os localizados no continente africano . Em 1830, as autoridades francesas deram início a ocupação militar da Argélia e, nesse período, parte da população Berbere (nativa) foi morta. Diante dessa situação, o império francês incentivou o povoamento da colônia por parte dos seus cidadãos. Sendo assim, a França via a Argélia não como uma colônia, mas sim como uma extensão territorial (tal como na Guiana Francesa). Tendo em vista esse processo, consolidava-se ali uma segregação por parte do grupo de colonos chamados pied-noirs (pés pretos), formado em grande parte por cristãos e judeus, que se beneficiavam de privilégios do império e direitos políticos. E, do outro lado, localizavam-se a maioria nativa Berbere, árabe e muçulmana, que anteriormente, tiveram suas terras tomadas pelos colonos. A resistência a barbárie francesa foi constante e árdua durante o século XVIII, porém, foi apenas em 1954, após vários ataques simultâneos às forças militares francesas e a emissão de um manifesto para toda a população argelina, que foi reivindicada a independência da Argélia . O império Francês reagiu de forma violenta aos levantes com torturas e prisões arbitrárias. Contudo, em 1962, pressionado pela revolução popular e pela opinião internacional, o Presidente Francês Charles de Gaulle convocou um plebiscito que resultou na independência da Argélia. No mesmo ano, foi criada uma lei que permitia que todo argelino nascido até 1962 e seus filhos nascidos até 1994 fossem considerados cidadãos franceses. Durante esse período de guerra e pós guerra, ocorreu de forma massiva o fluxo migratório de argelinos para a França, buscando fugir do conflito e melhores condições de vida. Mas, o que isso tem a ver com a Seleção Francesa de Futebol? Bom, esse é o caso de um franco-argelino chamado Zinédine Yazid Zidane , ou como é mais conhecido, Zidane. Filho de pais Argelinos, Zidane nasceu em Marselha no dia 23 de junho de 1972 e é considerado por muitos o melhor meio campista da história do futebol. Com um estilo magnífico de jogar, Zinédine Yazid Zidane era a definição de elegância em campo e conquistou, pela França, a Copa do Mundo de 1998 em uma vitória de 3 a 0 contra o Brasil, além de vários outros títulos e momentos icônicos que ficaram para a história do esporte mundial. Karim Benzema , atacante do Real Madrid, que está voltando às atividades pela Seleção, também faz parte do processo de formação da seleção francesa como potência mundial do futebol, tendo como base imigrantes e descendentes diretos de imigrantes . Atualmente 10% da população francesa é do norte da África e dentre estes, 7% são muçulmanos. Por mais decorrente que jogadores de descendência não europeia conquistem o sucesso nas seleções da UEFA, o preconceito ainda é algo presente diariamente na vida desses atletas, o que, particularmente, não é de grande importância para a FIFA e para a UEFA, que pouco mobilizam-se para fazer ações contra o racismo, xenofobia e intolerância religiosa nos estádios. Benzema afirma: “ Quando eu marco sou francês, quando não, sou árabe ”. Referências: MST: A FNLA e a independência da Argélia. History in focus: The colonial and post-colonial dimensions of Algerian migration to France. Instituto de Cultura Árabe: Independentes mas ainda não livres. Mundo Educação: Descolonização da Argélia. Semana de RI da PUC-SP: Migração no futebol: globalização e multiculturalismo. FuLia UFMG: A importância dos imigrantes e descendentes na seleção francesa ao longo das Copas do Mund o. Nerdologia: Guerra da Argélia.
A VIDA E LEGADO DE VIRGIL ABLOH™
Texto por: João Pedro Fiúza Arte por: Alma
A morte de Virgil Abloh no último mês chocou o mundo. O estilista de apenas 41 anos lutava privadamente contra um tipo raro de câncer no coração.
Virgil nasceu em 30 de setembro de 1980, na cidade de Rockford, Illinois. Filho de pais ganeses, Virgil teve seu primeiro contato com a moda ainda na infância, devido a sua mãe que era costureira e ensinou o ofício ao filho. Apesar de ser majoritariamente conhecido pelos seus trabalhos como estilista, Virgil era um gênio multifacetado. Estilista, Diretor criativo, Designer gráfico, DJ, Autor, Engenheiro Civil e Arquiteto. Foi durante o período em que cursava seu mestrado em Arquitetura, pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, que surgiu o interesse pela moda. Durante o período em que estudava no Instituto, um prédio desenhado por Rem Koolhas (renomado arquiteto que projetou o Prada Epicenter, em Nova York) estava sendo construído no campus, o qual Virgil diz que " atraiu seu interesse e abriu as portas para o mundo da moda ". Após se formar, Virgil conheceu Kanye West em uma gráfica de Chicago enquanto trabalhava em um de seus projetos. Naquele dia, se iniciava uma amizade e parceria de negócios que renderia vários frutos e se estenderia por mais de uma década. No ano de 2007, o rapper contratou Virgil para ajudá-lo a concretizar suas ambições além do mundo musical. Em 2009, Ye lançou sua collab com a Louis Vuitton e levou Virgil a vários desfiles de moda na Europa. Na época, a moda streetwear ainda não existia, mas o assunto em jantares após os desfiles era sempre o mesmo: "A moda está estagnada. Precisamos de inovação. Qual será a próxima tendência?". E a partir disso Virgil começou a desenvolver suas ideias. Em um desses jantares, Virgil e Kanye conheceram uma professora de moda chamada Louise Wilson e decidiram que queriam aprender da maneira certa, mesmo que soubessem mais que os alunos regulares. Desta forma, os dois entraram em uma espécie de programa de estágio na grife italiana Fendi, onde trabalhavam 8 horas por dia e recebiam 500 dólares por mês, como qualquer outro funcionário. Nesse período, Kanye já estava trabalhando nas gravações do lendário álbum My Beautiful Dark Twisted Fantasy e ambos foram pro Havaí para finalizá-lo logo após a conclusão do programa.
No ano seguinte, Virgil assumiu o papel de diretor criativo da DONDA, agência de Kanye West. Nesse período, fez parte do processo criativo da capa de dois álbuns de Kanye, My Beautiful Dark Twisted Fantasy e Watch the Throne . Na agência, Virgil conheceu os designers Matthew Williams (Alyx e Givenchy) e Justin Saunders (JJJJound). Mais tarde os três viriam a formar o coletivo de DJ's Been Trill, juntamente com o também designer Heron Preston e a jogadora de futebol Florencia Galarza. O coletivo já abriu shows de A$AP Rocky e Kanye West.
Virgil deu início a sua primeira marca, Pyrex Vision (nome que quase rendeu processos da fabricante de vidros) no ano de 2012, de forma não intencional. De acordo com o próprio Virgil, as peças eram mais artísticas e seriam usadas apenas pra filmagem de um curta, onde ele queria expressar a ideia de um time sem esporte nenhum. Assim, Virgil comprou algumas camisas de flanela da Ralph Lauren por 40 dólares, estampou a palavra Pyrex e o número 23 (em homenagem ao seu herói de infância, Michael Jordan) nas costas e vendeu as peças por 550 dólares, um valor quase 14x maior que o original.
No ano seguinte, Virgil encerrou as operações da Pyrex Vision e fundou a mundialmente famosa Off-White , grife que uniu o high fashion ao streetwear, bem como a arte e a música.
Em 2017, Virgil uniu forças com a Nike para a criação da Nike The Ten; Uma coleção de 10 tênis históricos da Nike com o seu próprio toque criativo. As silhuetas com o famoso lacre de segurança fizeram com que Virgil e a Off-White se tornassem uma febre mundial. Ele ainda viria a colaborar novamente com a marca para a criação da coleção Mon Amour, com inspiração no futebol. Virgil também participou de outras colaborações notáveis, como: Converse, Levi's, Champion, NBA, Timberland, Möet & Chandon, Nigo, Heron Preston, Jacob & Co., AWGE, Kith, Moncler, Jimmy Choo, Takashi Murakami, Rimowa, Mercedes-Benz e até mesmo a rede de supermercados sueca Ikea.
Em 2018, Virgil se tornou o primeiro homem negro a assumir o cargo de diretor artístico de uma das maiores grifes de luxo do mundo, a Louis Vuitton .
Em julho de 2020, Virgil anunciou a criação de um fundo estudantil de 1 milhão de dólares para apoiar a próxima geração de lideranças negras na indústria da moda . Um de seus últimos desejos em vida foi que o desfile da coleção de Primavera/Verão 2022 da Louis Vuitton fosse mantido mesmo com sua morte. Vários artistas compareceram ao desfile em sua homenagem, entre eles Kanye West, Pharrell Williams, Kid Cudi, Rihanna, A$AP Rocky e muitos outros. A perda de um gênio como Virgil é gigantesca, mas o legado que ele deixa para as próximas gerações é imensurável. Obrigado por tudo, Virgil.™
BOOGIE NAIPE: FUNK, SOUL E MANO BROWN
Texto de: Guilherme Fonseca Arte de: Letícia Muller Revisão de: Tiele Kawarlevski Nesta semana (dia 9 de dezembro), Boogie Naipe completou 5 anos e é sem dúvidas um dos álbuns mais disruptivos e marcantes da última década. Assim como em Cores e Valores , de 2014, Brown veio cheio de swing , referências e sagacidade em sua primeira aventura solo, sendo uma ode a todo o universo funk/soul das décadas de 70 e 80. Raízes, sonoridade e ritmo: No álbum, Brown brinca com a sonoridade, com nossos ouvidos e nossa percepção. Apesar de parecer diferente ou até mesmo “estranho”, há em todo o álbum as mesmas raízes que vemos em várias produções dos Racionais, que ali bebiam das mesmas fontes, da música negra, do soul e do funk americano. Brown é natural de São Paulo; a maior metrópole da América Latina é uma enorme fonte da rítmica universal da música. Dos grandes clássicos do samba, da MPB, viajamos até o blues e as sinfônicas da Sala São Paulo, passamos pelo forró da Vila Formosa, até chegarmos ao funk da Baixada. Uma realidade que nas décadas de 70 e 80 era dominada por funk e soul. Icônes como James Brown e Cassiano dividem espaços como referências no álbum. Ao decorrer das 22 faixas viajamos pela mente genial de Brown com o auxílio e a qualidade absurda da banda Boogie Naipe, na sonoridade orgânica dos metais, no balanço perfeito dos instrumentos de percussão. Brown e sua rouquidão combinam tão bem com as harmonias que ditam a levada única do álbum. Lovesongs , boogies e naipes : Houve sempre uma certa resistência dos “fãs raiz” do hip-hop brasileiro a todos os rappers que se desviavam da crítica direta ao sistema, do modelo quadradão embalado nos beats mais brabos que são o estilo favorito e também unânime de quem conheceu o Brown dos Racionais. Nunca se imaginaria esse ícone da revolta urbana, do Eu sou 157 e Diário de um detento cantando algo como a faixa Amor Distante . Impensável; inadmissível para muitos. Porém, como bom malandro que é, Brown veio avassalador e diferenciado, nos embalos de Boogie Naipe, cravou hits que dialogam com a malandragem e o romantismo cru, da quebrada. Primoroso nas ideias, Brown buscou transmitir essa “sensibilidade bruta” que nós, da quebrada, carregamos, oriunda da vida, do ócio e dos B.O. Por meio do álbum, afinal, malandro também ama, pobre também é romântico e a linguagem difícil, chorosa e particular de alguns ritmos como a MPB e o Sertanejo Universitário, que às vezes não traziam nenhum tipo de similaridade e respaldo para o jovem periférico, deixaram um vácuo que Brown preencheu bem, abrindo espaço para vários outros rappers trilharem o mesmo caminho, como Don L, Coruja BC1, Djonga, etc. Um clássico, para além do sofrimento da quebrada: Segundo o próprio Brown, foram 2 anos de trabalho em estúdio. Com um show de referências, participações e sonoridade, Boogie Naipe já nasceu um clássico, por uma perspectiva para além da musicalidade e representação estética, esse álbum é quase uma extensão do que não só o Brown, mas também o Racionais falam, a celebração da negritude se transforma num aspecto mais “suave”, por aqui se troca a agressividade do hip-hop, a crítica contundente e anti-sistêmica, pela sutileza e a poesia. A prosa da quebrada e o romantismo lúcido de Brown flutuam entre saídas ácidas e assertivas, dando o espaço ao maloqueiro romântico e sensível, se afastando da caricata ideia da quebrada como sendo pura e simplesmente a revolta. A favela é sempre retratada de uma forma uniforme, excludente e simplificada: lá tem pobre, tem crime e tem droga. Boogie Naipe é o contratipo a essa ideia desde a raiz. Uma energia viva e apaixonada, cheia de swing e leveza, o bom romântico disputa o mesmo espaço que o cafajeste, num fluxo da dz7, ou no baile da serra, os repiques de uma malandragem mais plural e menos estereotipada se convergem naquilo que Brown quer nos dizer ao decorrer das faixas. A quebrada além do sofrimento é aquilo que canta Brown em Boogie Naipe. Lá você vai encontrar uma musicalidade única, envolvente, com qualidade absurda, dignas de um artista atemporal, sensível e moderno, tudo isso de uma perspectiva completamente nova, guiada pelos olhos e voz de um dos maiores artistas da música brasileira. Pega a visão!
AKIRA E KANYE WEST NA FANTASIA ULTRACAPITALISTA DO OCIDENTE
Texto de: Vinicius Pereira Arte de: Fresh Gvbs Revisão de: Tiele Kawarlevski Akira , a obra de distopia que descreve um futuro ultracapitalista e consequentemente fascista, de Katsuhiro Otomo, foi originalmente publicada em mangás em 1982, mas se popularizou com o filme de 1988 e se tornou uma referência para todo o cenário "pop" dos anos 90, influenciando diretamente as principais obras que consolidam o gênero cyberpunk. Antes de entrarmos em detalhes sobre a obra em si, queria destacar suas influências no ocidente, tratando um pouco do seu impacto. Pessoalmente, vejo em Akira uma importância similar ao que foi o universo de Tolkien para a fantasia, de modo que traz para o gênero uma personalidade singular que o diferencia, por exemplo, da ficção científica. Sendo assim, a sua influência já fora notada há muito tempo. Por isso, dentro deste parágrafo pode ser que, para os mais antenados, as coisas fiquem repetitivas, mas tentarei, ao máximo, trazer referências menos comentadas. Como já sinalizado, Katsuhiro nos entrega um futuro caótico de um Japão com medo de uma nova destruição em massa, como as explosões criminosas dos EUA em Hiroshima e Nagasaki. No entanto, no filme, essa destruição se daria por uma – ao que parece para os desavisados – entidade chamada Akira, acusada como causadora de uma nova guerra mundial. Embora a trama gire em torno do mito de Akira, de uma entidade destruidora e que, ao mesmo tempo, poderia purificar um ambiente decadente da NeoTokyo, é justamente essa roupagem que se tornará um marco na história da cultura pop e renderá as mais diversas homenagens e plágios do Ocidente. A ambientação do filme nos leva para 2019, momento em que Otomo esperava que a tecnologia estaria avançada de uma forma faraônica; assim, o filme se compõe por meio de muitas luzes, neon, LED, hologramas e, ao mesmo tempo, muita alienação e caos social. A forte "estética" do filme rendeu uma certa admiração do Ocidente. Ao lado de Blade Runner (1982), reinventou a ficção científica e popularizou o que hoje é conhecido como cyberpunk, muito difundido pelo recém lançado jogo Cyberpunk 2077. Antes de entrarmos na parte política da obra Akira ou, melhor, o que caracteriza o uso de punk no nome do gênero, destaco o impacto que Akira teve na música, mais especificamente, na música do Kanye. Akira foi para Kanye uma influente inspiração criativa, que ele nunca deixou de referenciar, seja explicitamente, como fez com o clipe de Stronger ainda no seu álbum Graduation de 2007, ou mesmo 808s & Heartbreak (2008) , no qual temos, de forma ainda tímida, músicas no mesmo estilo de Stronger, que possuem um estilo "futurista" ao se ouvir; no entanto, é um pouco mais do que isso: a escolha do nome do álbum faz referência a uma “caixa de ritmos” (ou drum machine ) Roland TR – 808, usada para poder criar as formas dos instrumentos sintetizados, que ao lado da sua voz, robotizada no auto-tune, criaram uma nova forma de se fazer música. Desse modo, percebemos o futuro em Kanye, assim como vimos em Akira, em músicas como Heartless, Welcome to Heartbreak, RoboCop e Paranoid . A maior inspiração de Akira para Kanye manifestou-se em 2013 com seu sexto álbum, o Yeezus. O álbum é, do começo ao fim, algo novo. Nele, um Kanye mais maduro com os sucessos dos álbuns passados sabe mesclar suas qualidades, com um som às vezes industrial, às vezes eletrônico, com alívios de R&B e soul. Yeezus, assim como Akira , tem a proposta de ser grande. O filme não se apega a desenvolver histórias complexas dos personagens secundários ou mesmo dar explicações ao caos que você vê no futuro, mas, em relances, você entende a dimensão maximalista da obra; o mesmo é feito com Yeezus. Kanye chega a usar inclusive uma sonoridade similar a da trilha sonora do filme, em uma parte lírica que alivia o violento início do álbum, nos interlúdios de " On Sight". Aqui, a intenção não é a de referenciar a obra, e sim, de mostrar o quão grande o álbum e Kanye são; o que se confirma com " I am a God" que também pode fazer referência ao roteiro do filme. Ouso dizer que a influência de Akira em Kanye se tornou parte da sua marca, sendo notada até no recente single " Wash us in The Blood" do tão esperado décimo álbum, Donda . Pode-se dizer isso tanto pelos elementos vocais e de mixagem trazidos de Yeezus , quanto pelo videoclipe visualmente agressivo, com elementos messiânicos (inegavelmente relacionados, também, com a fase cristã de Kanye). A intenção ao trazer Akira e Kanye foi a de mostrar o impacto que a primeira obra proporcionou, de modo a criar um efeito dominó: ao influenciar Kanye, Akira fez com que se renovasse a música. E Kanye fez como Akira, imaginou o futuro por meio do maximalismo. O que faz de especial essa obra? Talvez, a capacidade de apresentar um novo conceito estético ou de novos elementos a um gênero – na época – recente? Deve-se, e muito, valorizar o processo de criação desse filme, que passa por um trabalho de animação incrível. No entanto, ele vai muito além disso, de uma obra contemplativa, em sua trama acompanhamos o jovem Kaneda, líder de uma gangue de motoqueiros, que parece apenas um adolescente inconsequente, mas Katsuhiro usa Kaneda como um fio condutor daquela sociedade, onde vemos um governo corrupto, ruas lotadas de propaganda, violência policial, protestos e messias. Kaneda não é só um jovem raivoso, mas sim, um jovem como muitos de uma sociedade sem perspectivas, sem emprego, marcada pela miséria, um jovem alienado na política ou nas questões sociais, que só conheceu o ódio e a adrenalina do perigo. Como dito, o filme se passa no Japão de 2019, mas quando estava pensando sobre Kaneda, pensei em como isso se relaciona conosco, no Brasil de 2021; distante da "alta tecnologia" produzida pelos centros do capital, assistimos de casa, com os mesmos sentimentos de ódio, desespero e falta de esperança, um governo corrupto, ruas lotadas de propaganda, violência policial, protestos e messias. Ainda vemos alguns fazerem propaganda dos carros elétricos, a viagem espacial como o futuro e a civilização, ao mesmo passo que a periferia padece, servindo a matéria prima, sendo explorada e sem futuro. A estética, a roupagem do filme, são partes do contexto da trama, por meio do qual o bruto e o universal da obra brilham. A tecnologia não necessariamente iria se desenvolver como Otomo imaginou, talvez tampouco essa fosseakira-e-kanye-west-na-fantasia-ultracapitalista-do-ocidente sua intenção. No entanto, nos anos 80, não era absurdo pensar nos sentimentos vazios como produto do capitalismo, tais como a solidão, a falta de esperança e o desamparo, que hoje, mais do que nunca, se fazem presentes em todo o mundo. Como a Suspeito funciona? 🕵🏾 A Suspeito é um projeto totalmente independente. Todos os custos de produção, hospedagem do site e afins são tirados de nossos bolsos. 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