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O MERCADO DA VIOLÊNCIA E DO SENSACIONALISMO: 3 FILMES SOBRE O ASSUNTO

Atualizado: 26 de abr. de 2021

Por Thainá Batista (publicado originalmente em Sociologia e Cinema)



Sem spoilers.


Nos noticiários da televisão mundial um elemento crucial está presente em todos eles: a violência. Pra além da violência física que é transmitida, atualmente, sem menores problemas (vídeos e fotos), a violência psicológica recebida semanalmente amplia e naturaliza nosso repertório. São tantas situações e casos que nada mais parece nos surpreender. Exemplificando com o nosso país, que reproduz com maestria a fórmula mágica do medo, recordemos rapidamente dois casos, o caso Eloá em São Paulo (que virou documentário, procure por “Quem Matou Eloá?” no YouTube) que foi morta por arma de fogo com direito a transmissão ao vivo de todo o cárcere e ação desastrosa da polícia que culminou na morte da garota pelo ex-namorado, após tê-la mantido por 4 dias em cárcere privado e um caso mais recente, no Rio de Janeiro, de uma garota de 16 anos que foi vítima do chamado “estupro coletivo”, cometido por mais de 30 homens, em que a violência foi gravada com celular.

De 13 a 17 de outubro de 2008 não havia outro assunto a se comentar, pelo menos na escola onde eu estudava e em casa, que a Eloá ainda estava de refém dentro daquele apartamento. A tragédia foi anunciada, foi noticiada, virou um filme de ação e drama, onde o protagonista tem convicção do que faz e um público. O público fomos nós.

Em maio de 2016, já na era do compartilhamento desenfreado de imagens e vídeos por aplicativos de celular, o vídeo do estupro coletivo de uma garota de 16 anos na Zona Oeste do Rio de Janeiro foi o assunto mais divulgado e falado durante uma semana inteira, talvez até um pouco mais que isso. Poderia me prolongar sobre o assunto, já que toda semana temos um caso chocante a mais para nos distrair. Assassinatos, estupros, sequestros, espancamento, tiroteios, agressões, encarceramento. Um prato cheio para vendedores de câmeras, alarmes, segurança privada. O telejornal é uma loja de medos.

Cena de Rede de Intrigas (1976), de Sidney Lumet.
Cena de Rede de Intrigas (1976), de Sidney Lumet.

Em Rede de Intrigas temos um âncora, Howard Beale, que precisa se aposentar – está velho demais para a posição – depois de 25 anos comandando o United Television Network. Será substituído por um colega e precisa se despedir da posição. Durante todo o filme, os bastidores da produção do noticiário são representados, bem como o corpo da produção, seus conflitos internos e a ganância pela audiência. A audiência é o que torna o jornal tão “grande” e, por conta da idade do apresentador, a audiência decaiu gradativamente. Ao receber a notícia de que será demitido, Beale arquiteta sua saída para que se torne inesquecível: um suicídio ao vivo. No que seria sua última semana, o âncora passa de um velho jornalista para “Profeta Louco”, contratado novamente e que passa a esbravejar raivosamente sobre o que é a televisão ao público, trazendo audiência ao telejornal. Assim nasceu a cena que acompanha a célebre frase “I’m as mad as hell and I’m not going to take this anymore!” (Eu estou puto demais e não vou aguentar mais isso, em tradução livre), onde o apresentador pede para que o público exclame pela janela de suas casas sua inconformidade com a realidade social em que estão inseridos. Você pode achar a cena legendada no YouTube.


Cena de O Abutre (2014), de Dan Gilroy.

Em O Abutre, Louis Bloom é um jovem que está financeiramente quebrado, assim como a maioria dos jovens atualmente e precisa de um emprego. Ao decidir o caminho que pretende trilhar para obter sucesso financeiro, aos poucos, com sua câmera, vai descobrindo como ganhar dinheiro no mundo do jornalismo criminal: tenha imagens em primeira mão de acidentes de rua, homicídios e tudo o que for chocante e brutal e venda essas imagens ao canal que mais pagar por elas. Ao passo em que Bloom vai conhecendo os bastidores, ele pretende subir mais, independente do que for necessário para que isso aconteça, nem que ele mesmo precise intervir para obter um produto final.


A frieza com que Louis exerce o trabalho desde o início e como isso possibilitou uma ascensão rápida em sua carreira é, eu diria, perfeita. A representação nua e crua de um negócio lucrativo às custas do desastre e tragédia de outro ser humano. Vender a morte, a catástrofe alheia, é vender o que pode ser mais precioso e impagável para quem assiste: sua própria vida.


Cena de Christine (2016), de Antonio Campos.

Christine: Em 1974 a televisão norte-americana transmitiu, realmente, como a personagem fala na cena da imagem acima, algo que nunca nenhuma outra emissora havia transmitido: um suicídio ao vivo. Isso não é um spoiler, pois, além do caso ser conhecido mundialmente, em qualquer sinopse se pode ler que o suicídio faz parte do enredo.


Christine Chubbuck se suicidou com um disparo de arma de fogo ao vivo, aos 29 anos no programa que apresentava aos domingos de manhã na WXLT (atualmente WWSB). A apresentadora, que sofria de depressão, viu a emissora retirar do ar o aspecto informativo sobre assuntos gerais para dar espaço ao conteúdo violento e sensacionalista – fenômeno nascido nos anos 70, de fato – justamente quando conseguira seu espaço no telejornal. Unindo problemas psíquicos, desvalorização profissional e o posto de trabalho onde apresenta desgraça gratuita pela manhã, Chubbuck premeditou seu suicídio uma semana antes. Comprou uma arma, digitou o roteiro e anunciou sua morte, seguindo de um disparo atrás da orelha direita.


O caso de Christine deu base para o filme Rede de Intrigas, realizado dois anos após o suicídio da jornalista. Quarenta anos depois, a curta e trágica trajetória de Christine na televisão norte-americana foi contada no longa de Antonio Campos. Teria sido o suicídio de Chubbuck um aviso do que estaria por vir? Pois, se comprar tanta morte, sentir tanto medo e enriquecer alguns com a tragédias de outros era um projeto, hoje, isso é um cotidiano, tão natural quanto a luz do dia.

Sendo o Brasil um consumidor ferrenho do estilo de vida estadunidense e a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2017, divulgar estudos sobre o transtorno de ansiedade atingir 18 milhões de brasileiros, todo cuidado mental é pouco. Retomando uma reflexão diária transmitida na semi-falecida MTV Brasil: “desliga a TV e vai ler um livro” nunca pareceu tão pertinente quanto agora, depois de redigir esse texto.

A violência é apenas um dos produtos que a televisão tem para oferecer. Estilos prontos e moldados de vida, metas pessoais gerais, o que é bonito e o que é feio, o mito da meritocracia etc. Tudo isso é tão violento quanto um suicídio em rede nacional. O Show de Truman vira um conto de fadas na vida real de 2019.

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