Texto de: Mariana Dionísio
Arte de: Fresh Gvbs
Original no Medium
IMAGINE O FUTEBOL SEM CRUZEIRO, LIBERTADORES E PUSKÁS...

Vira e mexe vemos voltar à tona essa velha discussão que nos impõe certa paciência para dialogar sobre. Sejam por declarações partidárias ou posicionamentos de clubes e/ou jogadores, é comum que essa “fusão” entre ambas as esferas movimente opiniões diversas. Mas, para aqueles que defendem o não como resposta para essa questão, é necessário refletir se o futebol é mesmo um mundo à parte, já que nada na sociedade se faz sem a presença da política.
Falar sobre a Democracia Corinthiana ou a situação identitária que une o Barcelona à independência da Catalunha é simplesmente chover no molhado. Estas abordagens são tão velhas quanto dizer que o presidente de um clube, ele mesmo, herói ou vilão, é fruto da política. Precisamos pensar em perspectivas diferenciadas para argumentar o óbvio com quem insiste em não entender. Um simples “sim” já não tem mais efeito algum. Pois bem, pode parecer meio aleatório, mas está aqui o novo olhar: tente imaginar o futebol sem Cruzeiro, Libertadores e Puskás.
“A imagem do cruzeiro resplandece”. Sendo cantada a plenos pulmões nos tempos não tão distantes em que pessoas podiam frequentar estádios, essa parte do hino nacional recebia atenção especial da torcida do Cruzeiro. Bom, sem a mistura repreendida por alguns, esse momento ímpar dos jogos do cabuloso não existiria, pois, até onde tenho conhecimento, as palavras “Palestra Itália” não estão entre as escolhidas por Joaquim Osório Duque Estrada para o cântico.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o clube mineiro foi obrigado a mudar seu nome, seu escudo e sua cor por ordem de Getúlio Vargas, com a justificativa de que não poderia ter ligação com a Itália. É inimaginável o cenário do futebol no país sem um nome tão imponente como o do Cruzeiro. Existiriam ainda dois clubes quase idênticos em torneios, já que o Palmeiras passou pelo mesmo processo. Negar a influência direta da política nessa situação, para bem e muito mais para mal, é brigar com os fatos. Apesar de que, a essa altura do campeonato “história do Brasil”, isso é o que mais vemos.

Caso a troca de nome de um time por questões estatistas ainda não seja o suficiente, o nome da maior competição do continente é um bom ângulo a ser explorado. Libertadores da América. Não há nada mais político do que a escolha da Conmebol de homenagear aqueles responsáveis pela independência da América do Sul diante das colonizações espanhola e portuguesa. E cá entre nós, que nome imponente. A escolha, feita em 1965, transborda a identidade cultural de um povo sempre subjugado. Vale ressaltar que, de todas as competições continentais, a nossa é a única que não imita o “Liga dos Campeões”, original dos europeus.
Se precisarmos esticar um pouquinho mais a corda, chegaremos a nível mundial. Qualquer um que se diga amante de futebol certamente conhece o Prêmio Puskás, dado pela FIFA ao autor do gol mais bonito do ano. A premiação é uma homenagem ao atacante húngaro Ferenc Puskás, ídolo do Real Madrid. O que poucos sabem é que se não fosse por uma questão política envolvendo seu país e a União Soviética, um dos maiores jogadores do século XX provavelmente não teria jogado pelos merengues.
A política indiretamente levou Puskás ao hall da fama do futebol. Ele foi parar em Chamartín no final da década de 1950 graças à assinatura do Pacto de Varsóvia. Puskás jogava no Honvéd e, junto com seus companheiros, decidiu não voltar para a casa como protesto a tamanha influência soviética. Chegou ao maior time do mundo e o resto é história.
Mesmo tendo sido destaque em sua passagem pelo time húngaro, dificilmente sua maestria seria conhecida se não tivesse chegado à Espanha. Colecionou títulos importantes, empilhou gols e formou, junto a Di Stéfano, uma das maiores duplas da história do esporte das quatro linhas.
A política molda tudo, e no caso do futebol não seria diferente. Ambos se misturam de tal forma que nunca estiveram desunidos, são simplesmente uma das combinações mais homogêneas que existem. Afinal, tudo, em todas as esferas, é um fato político, não somente um partido ou uma causa ideológica. Acredite se quiser, eu estar escrevendo e você lendo é mais um fato político também.
Não existe esporte apolítico assim como não existe qualquer outra coisa nesses moldes. O futebol não teria identidade, nem Cruzeiro ou Libertadores, e muito menos o genial Puskás. Nada ou muito pouco sobraria dele. Aliás, seu time sequer seria fundado.
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