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AS DUAS FACES DE MARADONA PARA A MÍDIA

Atualizado: 23 de abr. de 2021

Texto de: Marinah Nogueira

Arte de: Victor Aguiar


Dieu est mort” foi o que estampou o jornal francês L’Equipe na capa de quarta-feira (25 de novembro de 2020) em razão da morte de Diego Armando Maradona. Essa, entre outras centenas de capas, foi publicada por periódicos de todo o mundo. Tratavam Maradona como um Deus. Talvez, as representações não tenham sido o suficiente sob a ótica dos argentinos.Sinto como se tudo que pudéssemos fazer não alcançará nem metade do que Diego fez por nós” confessou Juan Francisco, um amigo meu que mora em Lomas de Zamora, mesmo município de Villa Fiorito, local de nascimento de Diego.


Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, nos diz que as crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. Pode-se dizer que o que fez Diego dentro e fora de campo pelos argentinos e pelo mundo seja uma dessas crenças que não precisa de coerência, aliás, a própria vida do ídolo era uma contradição. “O mais humano dos deuses” profere o escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, com o intuito de tentar representar a figura do jogador argentino.


Quando se lê Em busca da política, de Bauman, nos inteiramos do conceito sobre a liberdade individual e coletiva e que essas são interligadas a nível social e político. “(...) o aumento da liberdade individual pode coincidir com o aumento da impotência coletiva na medida em que as pontes entre a vida pública e privada são destruídas ou, para começar, nem foram construídas;” Tal informe teórico cobre como foi dada a imagem midiática (ou não) de Diego, pois é sabido da importância política que Maradona tinha tanto na Argentina quanto fora dela.


Arte de Victor Aguiar | behance.net/aguiarvictor

O jornalista gaúcho Moisés Mendes narra, em uma coletiva feita no dia da morte do ex-jogador, a visão jornalística e social que emitia o célebre jogador às mídias e às grandes

empresas.

“O Maradona era um cara fora de linha. Um cara considerado não cumpridor dessas regras da alienação do futebol. Não se sujeitava aos comandos dos grandes clubes, das corporações, do patrocinador, da tv. (...) O Maradona foi desqualificado porque era um cara de esquerda.”

Também em Em busca da política, Zygmunt expõe a fragilidade da sociedade com seus indivíduos porque as “pontes” entre esses dois possuem enorme debilidade, a qual prejudica a comunicação entre os pontos.


“À falta de pontes, a comunicação esporádica entre os lados privado e público é feita com a ajuda de balões que têm o hábito irritante de cair ou explodir assim que tocam o solo — e, o mais das vezes, antes de atingir o alvo.”

Claramente tal vulnerabilidade irrita uma série de ações, o que gera grandes frustrações, agonias e ansiedades pessoais, como relata o próprio sociólogo polonês. Assim, arrisco-me afirmar que tais pontes foram minadas pela mídia em prol de escândalos e tumultos na vida pessoal do eterno camisa dez da Argentina. “A fama, que o havia salvo da miséria, tornou-o prisioneiro.” escreveu uma vez Galeano sobre a repercussão dos atos “libertinos” de Diego.


Entretanto, a figura de Maradona, também, entra justamente num dos pontos que articula Baumann. Esse ponto tênue e esperançoso onde a sociabilidade une essa massa ansiosa por um destino. Nós, como sociedade, buscamos sempre fazer parte de algo comum e fazer parte de um todo. Às vezes encontramos essa resposta num evento específico ou numa figura tão forte e expressiva como foi (é) Diego.


“Oportunidades de extravasão surgem por vezes em festivais de compaixão e caridade, às vezes em eclosões de agressão acumulada contra um inimigo público recém-descoberto (isto é, contra alguém que a maior parte do público identifica como inimigo pessoal), outras em um acontecimento no qual a maioria das pessoas se sente fortemente envolvida ao mesmo tempo e que portanto sincroniza sua alegria, como no caso da seleção nacional que ganha uma Copa do Mundo, ou sua tristeza, como no caso da morte trágica da princesa Diana.”

Sabe-se que a morte de Diego mexeu em todos os âmbitos midiáticos mundiais. Muitos levantaram e expuseram o passado criticável dele. Outros o elevaram ao pedestal do qual, para a maioria, é seu único lugar. A resposta dos argentinos não demorou muito e veio voraz e sem hesitação, tal como seu gol de mão contra a Inglaterra. Milhões foram às ruas e homenagearam o craque da forma que acharam melhor. “Obrigado, Diego. Tu és a vila em carne viva”, dizia um cartaz pendurado em cima de um assador da famosa parrilla argentina.


A morte de Diego é emblemática e política por si. Não somente porque, como Moisés Mendes falou, “(...) foi desqualificado porque era um cara de esquerda.”, mas porque ele também conseguiu representar as controvérsias de ser um astro do futebol e uma figura política. Em nenhum momento de sua vida esqueceu de sua origem pobre e de seu passado cheio de fome. Talvez um dos maiores incômodos seja de que ele conseguiu chegar ao topo sendo de uma pequena vila do conurbano provinciano de Buenos Aires. Talvez não. Por conseguinte, diante da visão de Zygmunt Bauman em relação à morte e a figura de Maradona, pode-se dizer que politicamente foi (é) importante e expressivo para seu país.


Para além de seus erros e acertos, mesmo burlando as “pontes” entre o social e o individual, Maradona atingiu o ápice da sociabilidade. Ele uniu-nos à sua causa, fazendo o mundo do esporte se indignar com suas reivindicações e contestações contra grandes corporações. Também fez o mundo inteiro parar para que lembremos sempre: “La pelota no se mancha”. E pelo visto, Diego também não.

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